De Cara pro Sol

Fabio Torres, pianista do Trio Corrente, vencedor de dois Grammys, lança seu novo CD autoral, “De Cara pro Sol”.

Através de 11 composições – sendo 6 solos de piano – o músico mostra seu amadurecimento técnico e estético como instrumentista, além do seu lado arranjador, o qual pode ser conferido nas faixas de formação camerística que incluem cello, flauta, clarinete, violão e contrabaixo acústico.

Nas palavras do Fabio:

“Fazer um CD autoral é sempre um desafio na vida de um músico. Muitas vezes a vida cotidiana afasta a gente da criatividade, e por isso enfrentar um projeto desses é cultivar o que de melhor um artista pode oferecer. Esse trabalho é o resultado de muitas horas solitárias e prazerosas sobre as teclas do piano. De certa maneira aí estão as leituras do Cravo Bem Temperado de Bach, o esforço ante os Estudos de Chopin, o deleite das harmonias das Valsas Nobres e Sentimentais de Ravel, enfim, tantos outros compositores eruditos que nos iluminam desde tanto tempo. Também aí está a reverência aos gênios jazzistas como Bill Evans, Herbie Hancock, Chick Corea e Keith Jarrett, artistas que nunca se impuseram limites estéticos, sempre se pautaram pela liberdade e a busca da própria essência.”

Mas dito de forma simples, após essa viagem musical por influências europeias e americanas, podemos dizer que esse novo CD do Fabio Torres é parte dessa música preciosa que é obra dos brasileiros. Ali estão melodias e ritmos que certamente agradecem a inspiração de Jobim, Guinga, Egberto Gismonti, Hermeto Paschoal, Pixinguinha, Elis Regina e tantos outros que construíram uma das mais ricas músicas populares do planeta. Num momento em que o país parece enfrentar uma crise de autoestima, nada como afirmar a beleza da arte que resume a alma brasileira.

Ficha Técnica:

Piano, arranjos e composições: Fabio Torres

Violão e guitarra: Marcus Teixeira

Contrabaixo acústico e percussão vocal: Paulo Paulelli

Cello: Heloísa Meirelles

Flauta: Rodrigo Y Castro

Clarinete: Alexandre Ribeiro

Gravação: Carlos Akamine

Mixagem e masterização: Adonias Souza Jr.

Fotos: Clauss Lehman

Capa: Vini Marson

Faixa a Faixa

“Fiz essa música enquanto esperava minha segunda filha. Escolhemos o nome Cora e a lembrança da tão famosa poetiza, a Coralina, me trouxe essa imagem de uma criança, um bebê nascendo com toda a sabedoria do mundo, como se tivesse em sua alma todas as eras, todos os erros e acertos dos homens.”  É uma melodia na tradição das Valsas Brasileiras, brejeira, antiga e fresca ao mesmo tempo. O arranjo para trio traz belos contrapontos e Rodrigo y Castro (flauta)  e Heloisa Torres Meireles (violoncelo) se revezam com o piano como solistas da música.

Canção em 6/8 dedicada ao mestre do saxofone, Paquito D’Rivera, com quem o pianista venceu dois Grammys com o CD “Song for Maura”. Marcus Teixeira (violão) e Paulo Paulelli (contrabaixo acústico e percussão vocal) imprimem um ritmo rápido e intenso. Harmonia com tons ibéricos, belos solos de violão e piano e o destaque para a percussão vocal do Paulelli que grava tudo em tempo real: toca o baixo e faz a percussão simultaneamente.

O baião que dá nome ao CD é, como Fabio conta, “um olhar para a luz, para aquilo que nos ilumina e nos faz seguir em frente”. Nesta música, o pianista mistura a técnica erudita com a improvisação jazzística. A mão esquerda é fixa e arranjada, requerendo muita técnica e precisão. Já a mão direita, após expor o tema, se lança em solos improvisados.

Uma choro-canção com harmonia rebuscada e melodia dissonante em duas partes. O pianista dedica a todas as pessoas que não vivem um dia sem música. Lindos solos de Heloisa (cello) e Rodrigo (flauta).

Música feita em compassos 5/8 e 6/8 em forma A-B-A inspirada em ritmos venezuelanos. O pianista já havia gravado a faixa “Venezuelana” no álbum “Volume 2” do Trio Corrente. Essa Venezuelana nº2 segue o mesmo estilo da anterior, alternando as fórmulas de compasso. Essa música é toda escrita, não tem improvisações e ressalta-se uma coda alargada onde o músico conduz a melodia por harmonias inesperadas.

Balada dedicada à cantora Rosa Passos, com quem Fabio toca há anos. Nas palavras do pianista: “Quis reproduzir os climas tão intensos e suaves que vivi nos palcos com a Rosa. A música remete a um passeio numa manhã úmida e quente, depois da chuva, por jardins silenciosos e coloridos. O vapor d’água sobe do chão e o tempo e o pensamento querem descansar.” Paulo Paulelli (baixo) e Marcus Teixeira (guitarra) criam um acompanhamento quase estático sobre o qual a melodia paira feito vapor.

Baião muito rápido e virtuosístico onde o músico mostra seu amadurecimento técnico. Destaque para a coordenação e independência entre as mãos.

Balada emotiva e sucinta que o pianista dedica a sua esposa. O pianista transforma em música o “amor intenso que se espalha por todas as miudezas do cotidiano e passa quase despercebido”.

Essa peça é um estudo para a mão esquerda. Enquanto a mão direita canta a melodia em oitavas, a mão esquerda arpeja acordes sobrepostos criando densa harmonia. O pianista conta: “Sempre estudei os poliacordes que nada mais são que superposições de tríades criando acordes de 6, 7 ou mais vozes. Nesta peça, quis fazer o encadeamento desses acordes de uma maneira que tudo acomodasse uma melodia simples. Deu muito trabalho pra tocar direito”.

Regravação da canção que dá nome ao primeiro CD do pianista. Esse Choro canção ganhou um arranjo em quarteto de câmera com flauta, cello e o clarinete de Alexandre Ribeiro.

Outra peça “erudita” do CD que desafia a independência entre as mãos. Na segunda parte, enquanto a mão esquerda toca linha melódica em 6/8, a mão direita toca rapidíssimas semicolcheias em 4/4. Na parte harmônica nota-se a tensão estabelecida pelo politonalismo que surge.